Por que livros ilustrados, afinal? (Leitura para crianças pequenas – até 6 anos)

Do lado de fora, parece não haver grande diferença entre a experiência de uma criança que escuta a leitura de um livro ilustrado e de uma criança que assiste a um desenho animado. Em ambos os casos, elas estão ouvindo um narrador, vendo imagens e prestando atenção em uma história. Certo?

Bem… nem tanto. Os processos internos desencadeados por essas duas experiências são radicalmente diferentes, como constataram os pesquisadores do Hospital Infantil de Cincinnati, em Ohio, num experimento pioneiro envolvendo crianças de 3 a 5 anos, realizado em 2017 e narrado por Meghan Cox Gurdon em seu livro “The Enchanted Hour: The Miraculous Power of Reading Aloud in the Age of Distraction”. Os pesquisadores queriam comparar a atividade cerebral das crianças quando submetidas a três experiências: (i) a escuta de uma narrativa sem ilustração; (ii) a escuta de uma narrativa acompanhada de ilustrações (ou seja, a clássica experiência de ouvir a leitura de um livro ilustrado); (iii) a exibição de um desenho animado.

Por meio da ressonância magnética, os cientistas conseguiram mapear a atividade cerebral das crianças durante essas três atividades.

O experimento focava em cinco áreas-chave para o aprendizado da leitura e da escrita, como as redes neurais responsáveis pelo processamento visual e processamento semântico. Os níveis de atividade cerebral eram indicados por quadradinhos vermelhos (atividade intensa), rosa (atividade menos intensa) e azul escuro (baixa ou nenhuma atividade).

Os resultados do experimento foram os seguintes:

1 – A escuta de uma história sem imagens ativou algumas regiões do cérebro das crianças, mas não todas. As áreas relacionadas à introspecção (“como isto se relaciona comigo ou com a minha vida?”) apresentaram intensa atividade, mas não houve significativa produção de imagens (o que é fácil de entender, dado que crianças entre 3 e 5 anos não contam ainda com um vasto repertório de experiências e memórias que lhes sirvam de matéria-prima para a visualização do que escutam);

2 – Durante a escuta de uma história ilustrada, o cérebro das crianças acendeu como um castelo em festa: todas as cinco áreas observadas indicaram intensa atividade. Além disso, durante a experiência, essas redes neurais se inter-relacionavam (se “comunicavam”), reforçando a arquitetura cerebral;

3 – Na terceira fase (exibição de um desenho animado), aquela mansão iluminada apagou-se: os quadradinhos antes vermelhos tornaram-se azul-escuro, e somente a rede de percepção visual continuou a indicar intensa atividade. É uma percepção visual, entretanto, que parece cair num vazio, dado que os demais processos relacionados à linguagem e ao aprendizado entraram no “modo ocioso”.

O que isso significa?

O Dr. John Hutton, que coordenou a pesquisa, explica: “Crianças excessivamente expostas a telas podem apresentar deficiências em diferentes áreas, como linguagem, imaginação e atenção. O período dos 3 aos 5 anos é formativo: a excessiva exposição a telas predispõe o cérebro a uma atrofia ou subdesenvolvimento dessas redes neurais de ordem superior. Se o que sabemos sobre a plasticidade cerebral estiver correto, crianças que apresentam baixo desenvolvimento dessas redes terão mais dificuldade para aprender, para formar imagens com base nas narrativas que escutam e para relacioná-las à sua própria vida. Serão muito mais dependentes daquilo que lhes chega passivamente, sem que façam nenhum esforço. Acredito que esse é um problema sério, que está se agravando conforme as telas se tornam portáteis.”

Efeito “Cachinhos Dourados”

Um nome sintetiza os achados dos pesquisadores de Cincinnati: “Efeito Cachinhos Dourados”. Se a escuta de uma narrativa sem imagens é ainda “muita fria” para acender todas as redes neurais das crianças pequenas, e o filminho é tão “quente” que termina por “queimá-las”, a escuta de uma narrativa ilustrada é, por sua vez, a combinação perfeita para ativar todas aquelas áreas envolvidas com o desenvolvimento linguístico dos pequenos.

Se você precisava de uma boa razão para começar a ler livros ilustrados para seu filho, acabou de encontrá-la.

4 Comments

  1. Que preciosidade eficaz, barata, amável e realmente eficiente os pais tem nas mãos.
    Que pena que nem todos investem nisso, mas que alegria encontrar pessoas como você que dispõem a proclamar essas verdades clássicas e quase que ortodoxas que se perdeu com a modernidade, mas comprova que é a roda e o caminho é mesmo. Basta aplicar.

  2. Que maravilha! Fico muito feliz em saber que estou no caminho certo. Obrigada pelos seus estudos! Quero muito me aprofundar no desenvolvimento infantil e na importância da leitura em crianças pequenas.

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