A real dimensão da leitura em voz alta

“Na era da distração, é preciso rever o entendimento sobre o que é a leitura em voz alta e o que ela pode fazer por nós. Não se trata apenas de um passatempo agradável e nostálgico que podemos ou não cultivar, sem maiores danos. A leitura em voz alta precisa ser encarada como o que realmente é: um ato surpreendentemente transformador — um ato, mesmo, de resistência.”

“Para bebês e crianças pequenas, com seus cérebros em franco desenvolvimento, simplesmente não há nada como a leitura em voz alta. (…) A experiência de ouvir uma narrativa enquanto se observam as ilustrações estimula as redes cerebrais da criança, favorecendo seu desenvolvimento cognitivo. Além disso, a experiência de estar em companhia de alguém durante a leitura partilhada desperta nos pequenos o sentido da empatia, incrementa seu desenvolvimento linguístico e lhes garante uma vantagem importante quando atingem a idade escolar. Os pequenos com um amplo repertório de histórias lidas em voz alta tornam-se crianças mais propensas a cultivar relacionamentos sólidos, têm maior capacidade de concentração, maior resiliência emocional e autodomínio. As evidências disso são tão abundantes, que os cientistas agora consideram a frequência da leitura em voz alta como um dos indicadores mais importantes para o futuro da criança.

Seria um erro, porém, imaginar que os benefícios da leitura em voz alta restringem-se à infância. A interação profundamente humana que se estabelece quando uma pessoa lê para outra é, de fato, humana — e isso significa que o prazer e os benefícios dessa prática estão à disposição de todos. Ler em voz alta para adolescentes ou adultos pode não despertar tanto interesse científico, mas é inquestionável que, para eles também, há benefícios — intelectuais, emocionais, literários e até espirituais. Para os adultos de meia-idade, com a atenção dividida em mil direções, dedicar um tempo à leitura em voz alta pode ser um bálsamo para a alma. Para pessoas mais idosas, a leitura em voz alta pode ser revigorante e consoladora, quase como um tônico, um remédio.

Temos tudo a ganhar e nenhum tempo a perder. Se a leitura em voz alta é boa para todos, para os mais jovens é crucial. (…) Ler em voz alta é uma forma de retomar um espaço ocupado pelas novas tecnologias. Enquanto as telas tendem a nos isolar, enviando-nos para uma realidade virtual, ler juntos nos aproxima. Sentar-se com um livro, em companhia de outrem, transporta-nos ao mundo da imaginação embalados pelo calor da proximidade física a um outro ser humano. A criança que contempla, calmamente, as gravuras de um livro ilustrado, está absorvendo padrões artísticos de um modo que realmente não é possível em um desenho animado. Se as mil possibilidades do touch screen nos atarantam e dispersam, uma história lida em voz alta prende-nos o espírito e nos conduz a uma atenção profunda e sustentada. A linguagem das histórias enriquece o arcabouço linguístico dos bebês e auxilia as crianças pequenas a se expressar com fluência. Em se tratando de crianças mais velhas, histórias lidas em voz alta permite-lhes conhecer narrativas que, de outro modo, estariam além do seu alcance. A experiência da leitura em voz alta mergulha a criança em torrentes de palavras, imagens e ritmos aos quais ela não teria acesso de outro modo. É uma experiência que alegra e cativa os corações de crianças, adolescentes e adultos. Ler em voz alta é, provavelmente, a intervenção mais eficaz e de mais baixo custo que podemos fazer pelo bem de nossas famílias e da nossa cultura como um todo.”

Perdendo as ilusões

“A hora da leitura em voz alta é sempre uma maravilha? Certamente que não. Ler em voz alta é, muitas vezes, um sacrifício — às vezes, um verdadeiro incômodo. Mesmo para os mais dedicados, nem sempre é fácil encontrar tempo ou paciência. Vezes houve em que me peguei quase maluca com as crianças, a fim de que se aquietassem para a leitura; outras vezes, o livro que escolhemos não agradou a ninguém. Às vezes, eu mal conseguia manter os olhos abertos, tamanho o cansaço no fim do dia. Li estando resfriada e com dor de garganta. Li (que idéia!) após uma cirurgia na gengiva e estourei um ponto (…).

A vida em família não é fácil. Às vezes, é um desafio conservar todos à tona — que dirá guiá-los até o bote da leitura em voz alta à hora de dormir. É, entretanto, um esforço que vale a pena, especialmente num tempo em que todos parecem remar no amplo e solitário mar de pixels. Jovens ou velhos, todos precisamos do que a leitura em voz alta tem a nos oferecer. Se eu fosse Glinda, a Bruxa Boa de O Mágico de Oz, agitaria minha varinha para que isso se tornasse realidade em todos os lares, em todo o mundo. Como sou apenas eu mesma e não tenho varinha mágica, espero que minhas palavras tenham o condão da persuasão.”

Excertos do livro The Enchanted Hour: The Miraculous Power of Reading Aloud in the Age of Distraction, de Meghan Cox Gurdon. (Harper Collins)