A dieta literária de Erin Hassett

Quanto ler para uma criança? Por quanto tempo? O que ler? São muitas as perguntas no caminho das famílias que decidem iniciar a prática da leitura em voz alta com os filhos.

O sempre citado Jim Trelease, autor da obra que é uma das maiores referências sobre os benefícios da leitura em voz alta (The Read-Aloud Handbook, Penguin), não esconde a admiração pela história da família Hassett. A pequena Erin Hassett, nascida em 1988, começou a ouvir histórias desde o primeiro dia de vida. Sua desenvoltura linguística é mesmo notável: antes de completar dois anos de idade, a menina já formava frases completas; aos 24 meses, seu vocabulário compreendia mil palavras.

Curiosamente, Erin recusava-se a ler por conta própria numa idade em que as crianças estão começando a desbravar as primeiras palavras escritas. Diante da insistência da mãe, a garota teria declarado: “Eu me recuso a ler esses livros idiotas” — referindo-se às edições didáticas voltadas para crianças que estão começando a ler. “Só vou começar a ler quando puder ler novelas”. (Novelas, entenda-se bem, são narrativas longas, divididas em capítulos). Aos seis anos, entretanto, Erin provou que sabia ler — e muito bem.

A dieta literária de Erin foi narrada por sua mãe num diário cujos trechos você pode conferir abaixo. Mesmo que você não siga o mesmo caminho, é sempre bom conhecer essas histórias. Elas nos dão um parâmetro de até onde podemos chegar e servem de inspiração.

“O primeiro livro que lemos para Erin, em seu primeiro dia de vida, foi Love You Forever, de Robert Munsch. (…) Durante seus quatro primeiros meses de vida, utilizamos basicamente livros para bebês, de vinil, cartonados, com abas. Erin não apenas os ouvia, mas os ‘comia’ e se divertia com eles. Aos quatro meses, ela gostava de brincar no seu balancinho de bebê, daqueles que ficam pendurados no teto; e nesses momentos passávamos quarenta e cinco minutos, às vezes três vezes por dia, lendo poemas, rimas, livros interativos (flap books). Eu recorria frequentemente ao Rhymes for the Very Young, de Jack Prelutsky; também cantávamos canções infantis.

Por volta dos oito meses, o balancinho já não a atraía como antes — ela estava mais interessada em engatinhar e explorar o ambiente. Nessa época, ela adorava rasgar papéis. Deixávamos muitas revistas à disposição; quanto aos livros, apenas os mais resistentes ficavam à vista. Nos momentos de leitura, mantivemos os mesmos livros até ela completar 10 meses. A essa altura, eu não via a hora de ler livros narrativos, então decidi lê-los enquanto ela fazia suas refeições no cadeirão de alimentação (evitando, assim, que rasgasse as páginas do livro). Funcionou muito bem.

Durante as refeições, eu intercalava a leitura e as colheradas de comida. A hora da alimentação era divertida, alegre. Ao final, Erin geralmente apontava para a estante de livros e pedia mais um. E assim criamos um hábito que se estenderia por anos a fio. Continuei a ler em voz alta no café da manhã e na hora do almoço. Quando vinha um amiguinho brincar em nossa casa, sempre havia uma ou duas histórias na hora do lanche.

(…) Entre 10 e 15 meses, como meu marido quase nunca estava em casa para o almoço, era comum passarmos de 20 a 40 minutos lendo. Consultando meu diário da época, encontro esta anotação: ‘Nove livros depois do café da manhã; 10 livros e 4 poemas depois do almoço; 7 livros depois do jantar.’ Essa era uma rotina normal.

Dez dias depois, em 14 de fevereiro de 1990, escrevi em meu diário: ‘Depois do café da manhã, Erin pediu por mais um livro. Como estávamos prestes a nos mudar, li para ela Good-Bye House, de Frank Asch. Ela continuou pedindo por mais livros, e terminei lendo por 1 hora e 15 min — um total de 25 livros.’ Aos 14 meses de idade, ela conseguia manter a atenção nas histórias — ouvindo de maneira atenta, apontando, pronunciando palavras e balbuciando.

É bom registrar que todos esses livros eram familiares para Erin. Ela não se interessava imediatamente por um novo livro; eu os introduzia aos poucos. No primeiro dia, eu lhe mostrava a capa e ‘conversávamos’ sobre ela. No segundo dia, eu lia a primeira e a segunda páginas, algo assim. Lia um pouquinho mais a cada dia, até que o livro se tornasse familiar. Só então líamos o livro todo.

Pouco depois de nos mudarmos para a Pensilvânia, eu estava lendo Uma lagarta muito comilona, de Eric Carle, como vinha fazendo há seis meses. E então, enquanto eu lia a segunda frase do livro, antes que meus lábios pronunciassem a palavra, Erin disse: ‘Pop!’, com perfeita inflexão de voz. Ela tinha 17 meses, e a partir de então passou a completar algumas palavras nas histórias que lhe eram familiares. Isso só vinha acrescentar a uma experiência que em si já era muito prazerosa.” [Tradução de trechos do diário reproduzidos por Jim Trelease em The Read-Aloud Handbook.]

A mãe de Erin não parou de ler em voz alta mesmo depois que a menina já conseguia ler sozinha. Ciente dos benefícios afetivos da leitura partilhada e da diferença entre o nível de leitura da criança e seu nível de compreensão auditiva (esses níveis passam a convergir por volta dos 13 anos, segundo as pesquisas), Linda continuou a ler para a filha até que ela ingressasse na faculdade — de onde se graduou com a distinção summa cum laude.

Para conferir o menu literário de Erin dos 4 aos 12 anos, clique aqui (em inglês).

5 Comments

  1. Nossa amei esse site, mas confesso me sentir perdida em como iniciar o processo de memorização dos poemas com os meus filhos.. Eles irão fazer 3 anos. Sempre li para eles, mas pouco adentrei no universo dos poemas. Leio muito escritores imortalizados pela belíssima obra, como Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Cecília Meirelles. Só ler repetidas vezes em voz alta para eles já favorece a Memorização? Posso estar enganada, mas parece um pouco desmotivador. Que obras vc indicaria para leitura? Parabéns pelo belíssimo trabalho!

    1. A memorização com crianças pequenas se dá naturalmente pela leitura e releitura do mesmo poema. A criança tem já os seus favoritos – invista nestes. A idéia dos folhetos de poemas é justamente reduzir o leque de opções para que a criança se fixe em um ou dois poemas por mês. 🙂

  2. Nossa! Foi um incentivo à mais para mim, amo ler para meu filho de 3 anos e 5 meses. Vejo que ele não se interessa tanto por livros de histórias curtas, gosta de livros com histórias mais longas, fico impressionada como presta atenção a todos os detalhes.

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