Faz sentido ler em voz alta para adolescentes e crianças que já sabem ler?

Deixe-me adivinhar: seu filho aprendeu a ler, e agora você espera que ele procure livros por conta própria, leia-os com interesse e verdadeira paixão, um após o outro, consolidando aquela base de atitudes e conhecimentos indispensáveis para o amadurecimento da vida leitora.

Para a sua surpresa, no entanto, seu filho lê muito menos do que você gostaria que ele lesse. Ele tem tempo disponível, tem livros em casa, já sabe ler, mas… não quer ler.

É nessa hora que muitos pais se perguntam: “Onde foi que eu errei?”.

Antes de voltar os olhos para o passado, porém, os pais precisam se informar sobre a construção do hábito de leitura. Ele não é, de modo algum, uma decorrência natural do fato de aprender a ler — assim como dedicar-se ao ciclismo não é uma decorrência natural de aprender a pedalar uma bicicleta.

O hábito de leitura é tema de muitas pesquisas, que procuram descobrir que fatores contribuem para o desenvolvimento da motivação intrínseca para ler. 

O fato mesmo de que essas pesquisas existem nos mostra que o hábito da leitura não é algo que brote necessariamente de uma pessoa alfabetizada, num desdobramento natural como o despontar dos ramos de uma árvore. Assim como há os “ciclistas não praticantes”, há os “leitores não praticantes”. 

O problema é que, com a leitura, as consequências da sua não realização colocam em risco o desempenho acadêmico e profissional do indivíduo, com reflexos que vão muito além da esfera privada, repercutindo na vida econômica e social. 

O famoso relatório do Departamento Americano de Educação, “Becoming a Nation of Readers” — resultado de uma avaliação de duas décadas de estudos sobre o aprendizado da leitura — concluiu, de forma enfática, que “a atividade mais importante para construir os conhecimentos necessárias ao alto desempenho em leitura no futuro é ler em voz alta para a criança”. E complementa: “Essa atividade deve continuar ao longo das séries escolares.”

Isso significa que o aprendizado da leitura não torna dispensável a leitura em voz alta para a criança. Muito pelo contrário, é com o avançar dos anos que a necessidade da leitura em voz alta se faz ainda mais evidente. Poderíamos mencionar 3 boas razões para isso:

1o: A leitura em voz alta garante que os livros continuem fazendo parte da vida do adolescente ou da criança que já sabe ler.

Daniel Willingham, autor do livro “Crianças que lêem”, menciona uma pesquisa norte-americana segundo a qual o tempo médio que os adolescentes dedicam à leitura por prazer, diariamente, é de 6 minutos.

Atividades como “praticar esportes”, “assistir TV” e “socializar” têm a preferência indisputada dos jovens.

Todas as pesquisas sobre o assunto demonstram que, com o avançar dos anos, a tendência é que o interesse pela leitura entre em declínio, chegando a quase zero na adolescência. Mesmo crianças que apreciavam histórias e andavam às voltas com seus livrinhos infantis tendem a se interessar cada vez menos por eles, à medida que vão crescendo.

É neste ponto que a influência da família tem um papel decisivo — não “pressionando” o jovem para que ele leia, mas criando uma cultura familiar de leitura em voz alta.

A leitura em voz alta em família é um dos antídotos mais poderosos contra o afastamento da criança e do adolescente dos livros, nutrindo um relacionamento saudável e frutuoso com a leitura ao longo dos anos, com resultados que se estendem por toda a vida.

 

2o: A leitura em voz alta para os mais velhos favorece o seu aprimoramento linguístico, pois terão acesso a obras mais complexas do que aquelas que eles seriam capazes de ler sozinhos.

Quando uma criança aprende a ler, os textos que ela consegue decodificar com compreensão trazem frases curtas  e um vocabulário controlado — tudo para facilitar a realização da leitura individual.

No entanto, ela já é um ouvinte experiente há muitos anos.

A capacidade de compreensão auditiva da criança é, por isso, superior à sua capacidade de leitura própria, e os estudos sobre o assunto indicam que essa discrepância tende a desaparecer apenas por volta dos 13 anos de idade (supondo-se a prática continuada da leitura ao longo dos anos escolares).

Assim, a leitura em voz alta é a garantia de que uma linguagem mais sofisticada estará entrando pelos ouvidos da criança ou do adolescente, integrando-se ao seu repertório — o que irá prepará-lo não apenas para ler textos mais complexos por conta própria, mas também para se expressar de forma mais elegante por escrito.

 

3o: A leitura em voz alta para os mais velhos conserva aquele momento de qualidade única no qual vocês se encontram e podem… conversar.

Qual o bem mais escasso nas famílias atarefadas e altamente tecnológicas do nosso tempo?

A atenção ao outro.

Olhe para sua própria experiência: qual é uma das primeiras ações que você realiza no dia, logo após acordar? Há grandes chances de que a resposta seja: checar o celular. Mesmo antes de se levantar. Mesmo antes de tomar o café ou fazer suas orações. Estamos conectados o tempo todo, e às vezes chego a acreditar que só por milagre ainda não enlouquecemos todos.

Quantas vezes, em sua casa, você não levantou os olhos da tela do celular enquanto seu filho veio falar com você, ou seu marido, ou sua esposa? Quantas vezes você lhes respondeu sucintamente, apenas para voltar a responder à pessoa do outro lado do Whatsapp?

Em nosso tempo, não é infrequente que os filhos se tornem quase como estranhos dentro da própria casa. Sob os olhos desatentos dos pais, eles vão desenvolvendo seus próprios hábitos, preferências, opiniões e até uma linguagem particular, que os pais não compreendem bem.

É preciso agir no sentido de continuar cultivando um bom relacionamento com nossos filhos, à medida que eles crescem. E a leitura em voz alta, quando incorporada à cultura familiar, produz um espaço favorável a interações de qualidade, a trocas genuínas entre pais e filhos, ao diálogo orgânico que talvez não acontecesse, se não houvesse a ocasião de uma história.

Esse efeito da leitura em voz alta para os mais velhos não pode ser subestimado. As boas leituras, além de alimentar a imaginação, nos unem na mesma experiência de sermos humanos, de estarmos em comunhão profunda. Esse é um vínculo que, sem o devido cuidado, pode simplesmente ir desaparecendo dentro das próprias famílias.

Ainda que ler para nossos filhos não fizesse mais nada por eles além disso, esse já seria um bom motivo para elevarmos a leitura em voz alta a um dos pontos inegociáveis da vida familiar.

Ler para nossos filhos sempre fará sentido, enquanto houver um pai lendo com interesse e um filho interessado em ouvir. E, se é verdade que esse cultivo, quando iniciado desde cedo, cria raízes mais profundas, o fato é que nunca é tarde para começar. Se seu filho ainda mora com você, há esperança. Seja aos dez, onze, treze ou quinze anos, a leitura em voz alta de um bom livro é uma ocasião de celebração: celebração da literatura, celebração da família e celebração da vida.

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