A leitura em voz alta e o cérebro da criança

O artigo a seguir, publicado em 2015 no site Neuroscience news, faz referência a um importante estudo conduzido pelo Dr. John Hutton, pediatra diretor do Centro de Pesquisa sobre Leitura e Literacia do Hospital de Cincinnati, nos Estados Unidos.

O Dr. Hutton é um grande estudioso e divulgador da leitura em voz alta para crianças, tendo conduzido estudos pioneiros nessa área. Menciono dois de seus estudos no meu livro O mínimo sobre leitura em voz alta (Ed. O Mínimo, 2022), e neste artigo você encontrará algumas informações sobre um deles: o estudo que verificou uma maior resposta cerebral nas crianças habituadas à leitura em voz alta na primeira infância. Pela primeira vez ficou demonstrado, por imagens de ressonância magnética funcional, que o cérebro das crianças habituadas à leitura em voz alta apresenta maior atividade que o cérebro das crianças não expostas a essa experiência.

Esse estudo, longe de desencorajar os pais que jamais leram para os filhos, é um estímulo a que comecem o quanto antes, independentemente da idade da criança. Sempre haverá benefícios na leitura em voz alta, e nunca é tarde demais para começar.

Ler para a criança promove o desenvolvimento cerebral

Exames de ressonância magnética (MRI) demonstram a influência da leitura em voz alta sobre a atividade cerebral da criança. Novo estudo fornece evidências de que a leitura partilhada na primeira infância promove o desenvolvimento cerebral e auxilia na preparação para a leitura.

Ler em voz alta desde cedo e com frequência é uma das recomendações que pais de bebês frequentemente recebem [nota da tradutora: há nos Estados Unidos um forte trabalho de conscientização dos pais acerca dos benefícios da leitura em voz alta para a criança. O Dr. Hutton, inclusive, é um dos responsáveis pelo programa “Read Aloud 15 minutes”, que instrui os pediatras a orientar pais de recém-nascidos a lerem para seus filhos desde o nascimento, por toda a infância]. Acredita-se que partilhar livros com a criança promove seu desenvolvimento linguístico e impacta positivamente seu sucesso como leitora.

Agora, no entanto, há evidências de que ler para a criança está de fato associado a diferenças na atividade cerebral que está na base do processo de leitura.

“Temos o prazer de demonstrar, pela primeira vez, que a exposição à leitura durante o período crítico de desenvolvimento, na idade pré-escolar, tem um impacto significativo e mensurável sobre como o cérebro da criança processa histórias, podendo ajudar a prever seu futuro sucesso em leitura”, afirmou o autor do estudo, Dr. John Hutton. “As áreas cerebrais que servem de base para a geração de imagens no cérebro são de extrema importância, ajudando a criança a visualizar a história para além das ilustrações, afirmando o poder inestimável da imaginação.”

Organizações profissionais como a Academia Americana de Pediatria e grupos de promoção à leitura em voz alta têm incentivado os pais a ler para os filhos desde o nascimento, a fim de potencializar sua capacidade de aprendizado e estimular conexões cerebrais que promovem o desenvolvimento linguístico. Antes desse estudo, no entanto, não existiam evidências diretas dos efeitos da leitura em voz alta no cérebro da criança.

A fim de verificar se a leitura para crianças em idade pré-escolar tinha algum impacto sobre suas redes neurais, o Dr. Hutton e seus colegas analisaram 19 crianças saudáveis com idades entre 3 e 5 anos. 37% da amostragem provinha de famílias de baixa renda. O cuidador principal de cada criança preencheu um questionário que avaliava a estimulação cognitiva presente em casa. O questionário abordava três áreas: leitura parental para a criança, incluindo o acesso a livros, frequência e variedade da leitura; interação entre pai e filho, incluindo conversas e brincadeiras, e se os pais ensinavam habilidades específicas, como contar e reconhecer formas geométricas.

As crianças então passaram pelo exame de ressonância magnética funcional, que mediu a atividade cerebral enquanto ouviam a histórias adequadas à idade, usando fones de ouvido. As crianças estavam despertas (não sedadas), e não havia estímulo visual. Os pesquisadores queriam saber se haveria diferenças na ativação cerebral relacionada à compreensão de histórias, nas áreas relacionadas à linguagem.

Esse novo estudo demonstra que a leitura para a criança resulta em diferenças na atividade cerebral relacionada à leitura.

Os resultados comprovam que a maior exposição à leitura no ambiente doméstico está fortemente associada à ativação de áreas específicas do cérebro, que dão suporte ao processamento semântico (à extração de sentido da linguagem). Essas áreas são críticas para a linguagem oral e, mais tarde, para o desenvolvimento da leitura.

As áreas cerebrais envolvidas na produção de imagens apresentaram uma ativação particularmente forte, indicando que a visualização tem um papel central na compreensão de narrativas e preparação para a leitura, permitindo à criança “ver” a história. “Isso se torna gradualmente mais importante à medida que a criança avança dos livros ilustrados para os livros sem figuras, nos quais ela deve imaginar tudo o que está transcorrendo no texto”, afirma o Dr. Hutton.

A associação entre a leitura em voz alta no ambiente doméstico e a atividade cerebral continua robusta mesmo quando controlada a variável “renda familiar”.

“Esperamos que esse trabalho inspire futuras pesquisas sobre a leitura partilhada e seu impacto no desenvolvimento cerebral, a fim de promover intervenções e identificar crianças em situação de risco o mais cedo possível, aumentando as chances de que se atinjam êxito em seu desenvolvimento como leitores”, concluiu Dr. Hutton.

Fonte: https://neurosciencenews.com/mri-early-reading-brain-activity-1996/

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