Ler para a criança é plantar uma semente

O texto que você está prestes a ler foi escrito por Jim Trelease e publicado em seu site.

“Certa vez, há mais de vinte anos, deparei-me, nos corredores de uma universidade, com um cartaz que dizia: ‘Qualquer um pode contar as sementes de uma maçã, mas só Deus pode contar quantas maçãs brotarão de uma única semente.’ Esta é a semente que plantamos na criança quando lemos para ela — uma semente que lhe diz: ‘Ler é tão bom, que seria inconcebível passar um só dia sem isso.’

Lamentavelmente, essas sementes não germinam do dia para a noite — sequer todo ano ano. O negócio às vezes leva décadas, para a frustração de pais e burocratas que esperam resultados imediatos para tudo o que fazem. (…)

Os pais, devo mencionar, são culpados dessa impaciência. Sempre me perguntam: ‘Li para o meu filho a infância toda, mas ele hoje não é um leitor voraz. Onde foi que eu errei?’

‘Quantos anos ele tem?’

‘Dezenove.’

‘Perdão, mas você acha mesmo que seu filho está pronto e acabado aos dezenove anos? Você é a mesma pessoa que você era aos dezenove?’ E eles dão um sorriso amarelo.

De tudo o que peço insistentemente aos pais e aos professores, o mais importante é ter paciência. Algumas flores levam mais tempo para desabrochar, outras menos. Algumas, infelizmente, nunca chegarão a criar raízes — mas essas são raras, fruto geralmente de mau cultivo.

No caso do professor, pode ser que o livro partilhado hoje crie raízes na mente de apenas uma criança, mas quantas outras crianças não serão por ela afetadas, quando for adulta? (…)

Nasci em 1941 e fui criado, se não no estado de graça santificante, ao menos no Estado de Nova Jérsia. Meus pais não tinham ensino superior e suavam para criar quatro filhos em um apartamento de dois quartos. Eu era o primogênito e o mais difícil de todos. Hoje em dia teriam me chamado de hiperativo e me obrigado a tomar remédios; naquele tempo, porém, nem essa expressão existia, nem os remédios.

Para minha sorte, meu pai encontrou uma maneira de me acalmar: ele lia para mim. Lia desde livros infantis até jornais e revistas. O que aprendi dessas leituras foi simplesmente isto: ‘Ler é tão bom, que seria inconcebível passar um só dia sem isso.’

Minha próxima lembrança é frequentar uma escola católica que, no final dos anos 40, era um tanto superlotada — havia 94 crianças na minha turma de primeiro ano. A sra. Elizabeth Francis, à frente da classe, entoava os sons das letras; sentado ao fundo, eu mal conseguia vê-la, que dirá ouvi-la. Não sei o que levava os outros alunos a prestar atenção nela e a dominar essa coisa estranha chamada leitura, mas sei o que me motivava: eu queria ser capaz de realizar a operação mágica da leitura, como meus pais a dominavam. Se para isso era preciso entoar os sons daquelas letras, tudo bem. Em poucas palavras, entrei na escola motivado a aprender.

(…)

Avancemos 25 anos, passando de Nova Jérsia a Massachusetts, quando minha esposa e eu criávamos nossos dois filhos. Nem é preciso dizer que eu lia para eles toda noite. Não, não era para que eles ‘ficassem inteligentes’ ou tirassem boas notas. Eu lia para eles simplesmente porque me lembrava de como era bom quando meu pai lia para mim. Não queria privar meus filhos de momentos agradáveis como aqueles.

A essa época, eu trabalhava em um jornal como escritor e desenhista. Num dado momento, comecei a visitar escolas locais como voluntário, falando sobre a profissão de jornalista. Certo dia, durante uma visita a uma turma de crianças, bati o olho num exemplar do livro ‘The Bear’s House’, de Marilyn Sachs, o qual eu havia acabado de ler para minha filha. Peguei o livro e comecei a falar sobre ele para os alunos. Foi algo totalmente fortuito, sem relação com o motivo da minha visita. Uma semana depois, a professora me escreveu contando como as crianças ficaram animadas com a minha visita, e como desejavam ler o livro sobre o qual eu havia falado.

Aquilo me deu o que pensar. Eu havia plantado uma semente naquelas crianças — uma semente que fazia o tal livro parecer uma delícia. É como se eu tivesse feito uma propaganda do livro.

O tempo foi passando e visitei mais salas de aula. Foi quando comecei a perceber que as turmas para as quais o professor lia em voz alta eram as mais interessadas em leitura. Haveria uma relação entre a leitura feita para a criança e a leitura feita pela própria criança? Uma relação entre ‘querer ler’ e ‘saber ler’? Será que ler para a criança fornecia a motivação que faltava no puro e simples ensino dos sons?

Ao conferir as pesquisas publicadas nos periódicos, não havia margem para dúvida — havia sim uma relação comprovada entre uma coisa e outra. Mas havia um problema: apenas um número reduzido de pessoas lia essas pesquisas. Todo o resto achava que ler para crianças era apenas uma forma de entretê-las e, sendo assim, era melhor ligar a televisão. Então, para que ler para a criança? Melhor deixá-la vendo TV enquanto conversamos no telefone ou vamos às compras. Quem precisa de leitura em voz alta? (…)

Foi então que publiquei, de forma independente, um livreto de trinta páginas sobre leitura para crianças. Eu me autopubliquei porque jamais pensei que uma grande editora estaria interessada naquilo. Afinal de contas, não havia no livro nada de sexo ou violência. Por sorte, um vizinho meu comentou sobre o livro com um amigo, o qual estava justamente começando a trabalhar como agente literário e precisava de clientes. Ele me ligou e perguntou se eu o autorizava a mostrar meu livro para algumas editoras de Nova Iorque. Pensei comigo: ‘Esse sujeito acabou de fugir do hospício.’ Mas não custava tentar, e concedi-lhe a permissão. Adivinhe? Ele encontrou uma editora — a Penguin, a editora de livros em brochura mais antiga do mundo.”

Jim continua sua história, relatando dois acontecimentos extraordinários. No primeiro, temos a figura de um diretor de escola pública de subúrbio que, em quatro anos, reverteu os índices de avaliação em leitura após implementar a leitura em voz alta e a leitura silenciosa por prazer como parte da rotina diária dos alunos. A escola, que na avaliação de leitura figurava em último lugar no ranking do Estado de Boston, foi alavancada para o primeiro lugar.

Em seguida, ele narra a história de uma polonesa que se deparou um dia, num consultório odontológico nos Estados Unidos, com um artigo sobre leitura em voz alta (escrito pelo próprio Trelease). De volta à Polônia, devastada por tantos anos nas mãos de nazistas e comunistas, ela funda a instituição “All Poland Reads to Kids”, iniciando uma campanha pró-leitura em todo o país, com resultados extraordinários.

Não seria exagero atribuir tudo isso àquele pai que, sessenta anos antes, punha no colo um menino agitado e lia para ele em Nova Jérsia — tal como colocamos nossos meninos, lendo para eles sem calcular o dia de amanhã.

‘Qualquer um pode contar as sementes de uma maçã, mas só Deus pode contar quantas maçãs brotarão de uma única semente.’

Texto de Jim Trelease originalmente publicado em seu site.

 

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