“‘Quando posso começar a ler em voz alta para o meu filho?’ Essa é a pergunta que mais recebo dos pais. (…) Em resposta, eu lhes devolvo a pergunta: ‘Quando você começou a falar com seu filho? Você esperou até que ele completasse seis meses de idade?”

Jim Trelease, The Read-Aloud Handbook

Então você decidiu ler em voz alta para seu filho pequeno. Gastou algumas horas buscando orientação sobre o que ler em cada faixa etária e mais um punhado de horas procurando os livros indicados (bem-vindo ao reino dos livros esgotados e dos maravilhosos livros ilustrados em inglês, francês, alemão… exceto em português). Você suspira, confiante. Vai dar certo!

Os livros chegam, enfim, e você mal pode esperar pelo momento em que seu bebê se aninhará em seu colo, louco de vontade de ouvi-lo dizer: “Era uma vez…”

E, neste ponto, pode ser que você perceba que… não será assim tão fácil. O bebê estica os bracinhos: quer agarrar o livro, amassá-lo, mordê-lo. Você tenta negociar: “Ah, você quer o livro! Que tal o seu chocalho?” Nada feito; o que ele quer mesmo é arrancar o livro de suas mãos. “Veja, filho! Você pode segurar este livro”, e lhe estende o livro de banho, na esperança de que ele se conforme e você possa retomar a leitura. O bebê, porém, entende que a troca é um truque. Quando você menos espera, ele arranca a aba do livrinho interativo (pobres flap books) e a agita no ar. E você desiste da leitura, guarda o livro na parte mais alta da estante, convencido de que aquilo pode esperar mais alguns meses…

O problema é que os desafios podem não desaparecer naturalmente, e a prática da leitura em voz alta, interrompida antes de se consolidar em hábito, pode não ser retomada. Sim, ler para bebês pode dar um trabalhinho. Como tudo o mais que vale a pena. 

As autoras Caroline Blakemore e Barbara Ramirez, em seu livro Baby Read-Aloud Basics, traçam um quadro de referência bastante útil sobre a prática da leitura em voz alta com crianças de 0 a 24 meses. Confesso que neste livro, às vezes, tenho a impressão de que elas estão falando sobre crianças de outro mundo — um mundo onde bebês de oito meses já se sentam comportadamente durante a leitura e só ocasionalmente se levantam, mantendo-se, ainda assim, a uma distância que lhes permite ouvir a leitura da mamãe…

Façamos, porém, justiça às autoras: encontramos ali um trabalho sistemático de orientação para a leitura em voz alta numa fase da vida em que os desafios podem ser mesmo grandes — afinal, o rápido desenvolvimento motor do bebê, aliado à sua curta capacidade de atenção, não tornam muito fácil a tarefa de ler em voz alta.

Por isso, alguma orientação nesse sentido pode ajudar os pais a se manterem firmes no propósito de ler para os filhos — ainda que não se consiga ler um livrinho ilustrado do começo ao fim. O mais importante é a consistência: leia todos os dias, mesmo que seja por três minutos. Experimente ler em diversas ocasiões (durante o café da manhã, durante a mamada, após a soneca da tarde, antes de dormir), até descobrir os momentos em que seu filho está mais receptivo. E lembre-se das regras de ouro: não tente ler quando o bebê estiver cansado, com fome ou com sono. Todas as necessidades fisiológicas devem estar bem atendidas para que o momento da leitura em voz alta transcorra bem.

 

1º estágio: O ouvinte

(Do nascimento aos 2 meses)

Características:

* Responde melhor à escuta de poemas e cantigas ouvidas antes do nascimento;

* Reconhece a voz materna e a prefere a outras vozes.

O que ler?

* Qualquer tipo de leitura, mas preferencialmente poemas ou histórias rimadas — o mais importante é que o bebê escute a voz materna, que o acalma, pois já a reconhece desde o dia do nascimento.

Sugestões:

Como a intenção é acalmar o bebê e acostumá-lo à escuta da voz materna enquanto executa a leitura, o leque de opções do que ler é bastante amplo. Leia algo de que você goste (melhor ainda se forem poemas), com calma, em um ambiente silencioso, utilizando-se de suaves inflexões de voz que tornem sua leitura mais expressiva. 

Fato interessante: A criança acostumada à leitura em voz alta em breve aprenderá a distinguir entre a linguagem falada e a linguagem dos livros. Em um poema, por exemplo, podemos encontrar rimas, uma ordem especial das palavras e um ritmo que não é o da conversação comum, e o bebê irá “pegar” essas diferenças.

2º estágio: O observador

(2 a 4 meses)

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Características:⠀⠀⠀

* Responde mais ativamente à “fala materna” do que à conversação comum. A “fala materna” (“manhês” ou “paiês”) é a forma como naturalmente os adultos se dirigem ao bebê. Não é “falar errado” com a criança, mas modular a voz, empregando um tom um pouco mais agudo, prolongando as vogais e acentuando as expressões faciais enquanto se fala.

* Começa a sincronizar os movimentos dos olhos e a focar em alguns elementos do ambiente, como móbiles e cores mais vibrantes.

* O bebê ainda não enxerga bem à distância.

O que ler?

* Livros com poemas rimados, cantigas e rimas.

* Livros ilustrados com imagens em cores vibrantes e contrastantes.

Sugestões de títulos:

Vale a pena comprar algumas edições em língua estrangeira com belas ilustrações, o mais realistas possível. Mesmo que você não consiga ler esses livros, pode passar as páginas narrando o que vê, apontando os objetos, descrevendo a cena. Dê preferência aos livros cartonados e pequenos, mais resistentes, e que a criança depois de alguns meses já conseguirá manusear. Nesta fase, são também comuns os livros de pano e de banho (a maioria sequer tem uma história, mas apenas imagens com palavras soltas ou frases descritivas).⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

Algumas opções de livros cartonados:

* Boa noite, lua (Margaret Wise Brown)

* Eu… (Emma Dodd)

* My World (Margaret Wise Brown) 

* Ten little fingers, ten little toes (Mem Fox e Helen Oxenbury)

3º estágio: O vocalizador

(4 a 8 meses)

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Características:

* Aos 4 meses, o bebê já reconhece o próprio nome.

* Consegue distinguir entre os tons de voz alegre, triste ou irritado dos pais.

* É capaz de absorver e memorizar grande quantidade de sons e palavras que, mais tarde, serão a base da fala.

 * Por volta dos seis ou sete meses, começa a emitir sons que se parecem mais com palavras (“mamamama, papapapa”).

 * Consegue ver cores e detalhes com mais nitidez.

 * Gosta de experimentar, com a mão e a boca, as texturas e características dos objetos.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

O que ler?

Acrescente aos livros mencionados no estágio anterior obras com ilustrações mais complexas, pois o bebê já consegue enxergá-las com mais nitidez. Evite, entretanto, ilustrações caóticas. O bebê está começando a internalizar as noções de ordem e harmonia do mundo exterior, sendo importante que as gravuras sejam fiéis a esses princípios. Além disso, ilustrações excessivamente estilizadas, que não se pareçam com a coisa representada, não contribuirão para a atividade de nomeação dos objetos, tão importante nesta fase.

* Livros que estimulem os sentidos do bebê, como os de pano e de banho. Cuidado com os livros que emitem luzes e sons, pois podem acabar hiperestimulando e irritando o bebê.

* Livros com ilustrações mais realistas e ricas em detalhes.

* Livros que apresentem imagens e palavras relacionadas à rotina do bebê, como os momentos do banho, alimentação, soneca, passeio etc.

* Livros que apresentem objetos do cotidiano e partes do corpo, em imagens realistas ou fotografias.

Sugestões de títulos:

Livros cartonados ainda são a melhor opção. Há, também, a coleção “Indestructibles”, que você já encontra na Amazon brasileira: o material assemelha-se ao papel, mas é resistente a rasgos.

Algumas sugestões para a atividade de nomeação:

* Primeiras Palavras (Usborne Publishing).

* Meu Mundinho: Minhas Primeiras Palavras (Usborne Publishing).

Vasculhe por mais livros da Usborne, há muitas opções interessantes.

* First 100 words (Roger Priddy).

Há uma grande opção de livros como esse, que trazem fotos de animais, objetos domésticos etc.

Difícil mesmo é encontrar livros cartonados, em português, com qualidade literária e belas ilustrações. Porém, munidos das diretrizes gerais do que procurar, vamos nos virando com o que temos à disposição.

Em inglês:

* Procure pelos livros da Tasha Tudor (lamentavelmente, sem edição em português).

* Os livros da Helen Oxenbury também têm ilustrações simples e graciosas, ainda que não com a riqueza de detalhe da Tasha Tudor: “Clap Hands”, “All fall down”, “Tickle, Tickle” e o já indicado “Ten Little Fingers, Ten Little Toes”.

* Dear Zoo (Rod Campbell)⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

4º estágio: O balbuciador

(8 a 12 meses)

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Características:

* No estágio anterior, da vocalização, o bebê apenas emitia sons vocálicos prolongados (“aaaaah, eeeeeh”); já no balbucio há sons consonantais — o bebê está de fato “ensaiando” a pronúncia das primeiras palavras.

* Compreende (embora ainda não consiga dizê-las) uma média de 50 palavras aos 12 meses.

* Já consegue memorizar palavras e frases ouvidas repetidamente dos livros ou ditas com frequência pelos pais.

* O bebê “dialoga” por meio de gestos, apontando objetos e balbuciando.

* Ao ver um animal, imita-lhe o som, em vez de tentar dizer-lhe o nome.

* Sua visão já está perfeitamente desenvolvida para a percepção de cores, detalhes e profundidade.

* Tem cada vez mais controle sobre as mãos. Tentará virar as páginas do livro e apontará para as figuras enquanto você executa a leitura em voz alta.⠀⠀⠀⠀⠀

O que ler?

* Livros com histórias previsíveis ou estruturas linguísticas repetitivas, que convidem a criança a repetir uma mesma palavra ou frase.

* Livros que nomeiem objetos e partes do corpo.

* Livros que explorem conceitos como “em cima”, “embaixo”, “dentro”, “fora”, opostos etc.

* Livros que ilustrem verbos de ação, como correr, pular, nadar etc.

* Livros dos estágios 2 e 3.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

Sugestões de títulos:

* A Casa Sonolenta (Audrey Wood)

* O Grande Rabanete (Tatiana Belinky)

* A alegre vovó Guida, que é um bocado distraída (Tatiana Belinky)

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5º estágio: Primeiras palavras

(12 a 18 meses)

Características:

* Começa a usar palavras sabendo o que significam.

* Compreende uma média de 100 a 150 palavras.

* Utiliza palavras em diferentes contextos. Por exemplo, diz “pato” quando vê o patinho de borracha, um pato de verdade ou uma foto de um pato.

* Emprega diferentes inflexões de voz ao pronunciar as palavras (ou quando as balbucia).

* Responde a perguntas por meio de gestos, apontando o dedo, emitindo sons ou palavras, na tentativa de estabelecer um diálogo.

* Memoriza mais facilmente as canções combinadas com gestos (Ex.: “Cabeça, ombro, joelho e pé”).

* Imita as ações dos pais — busca a vassoura para varrer o chão, dá petisco para o cachorro ou apanha um livro na estante para ler.

* Já consegue selecionar os livros favoritos da estante, do cesto ou do baú. Por isso, faça uma pequena seleção dos livros que você costuma ler para o bebê e deixe-os em algum lugar acessível. Trabalhando no sistema de rodízio de livros (poucos livros lidos em um período, que pode ser de um mês ou mais), você garante que a criança terá tempo de aproveitar o máximo das ilustrações e até memorizar o texto.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

O que ler?

* Livros que retratem atividades cotidianas da criança, como sair para passear, visitar os avós, alimentar-se etc.

* Livros que ensinem frases do cotidiano, como “Bom dia”, “Boa tarde”, “Adeus” etc.

* Livros com perguntas dirigidas ao bebê.

* Livros com narrativas simples, nas quais já se possa identificar um protagonista e um enredo.

* Livros com rimas e canções acompanhadas de gestos com as mãos ou danças.⠀⠀⠀⠀

Sugestões de títulos:

* Muito cansado e bem acordado (Susanne Straßer)

* Assim como você (Guido Van Genechten)

* Cantigas, Adivinhas e Outros Versos – 2 volumes (Ed. Melhoramentos)

* Brasil for Children: 30 Canções Brasileiras Para Brincar e Dançar (Ed. Peirópolis)

 

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6º estágio: Primeiras frases

(18 a 24 meses)

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Características:

* Compreende cerca de 200 palavras.

* Seu vocabulário ativo pode ir de 50 a 170 palavras.

* Imita expressões como “Ah, não!”, “Opa” etc.

* Começa a combinar substantivos e verbos para formar frases de duas palavras.

* Começa a perguntar “O que é isso?” Sabe que os objetos têm nomes. Consegue nomear membros da família.

* Gradativamente, pronuncia as palavras com mais clareza. Fisicamente, a criança também está mais ativa: consegue correr, girar uma maçaneta, passar as páginas de um livro, uma de cada vez.

* Começa a demonstrar uma compreensão da estrutura do idioma: sabe como fazer perguntas e empregar as palavras na ordem correta.

* Interessa-se por ilustrações mais complexas, com mais detalhes a explorar.⠀⠀⠀

O que ler?

* Livros que explorem algum assunto de interesse da criança (dinossauros, borboletas etc.). O ideal é procurar por imagens realistas de enciclopédias ou livros especializados sobre história natural, meios de transporte etc.

* Livros narrativos com uma linguagem um pouco mais complexa do que a linguagem da criança.

* Livros que apresentem os números.

* Livros que explorem as cores.

* Livros com narrativas um pouco mais complexas do que as do estágio anterior (mais personagens, mais verbos, mais páginas — mas não tanto que não se consiga ler numa sentada)

* Livros dos estágios 2, 3, 4 e 5.

Sugestões de títulos:

* O Ratinho, o Morango Vermelho Maduro e o Grande Urso Esfomeado (Audrey Wood)

* Pé de Pilão (Mário Quintana)

* 1 is One (em inglês) (Tasha Tudor)

* Uma lagarta muito comilona (Eric Carle)

* Publicações do Smithsonian Institution sobre história natural, botânica, corpo humano etc. (em inglês)